Depois de uma caminhada de dois meses e dez países através das selvas do norte da Colômbia, da perigosa região de Darién, no Panamá, e do sistema de imigração dos EUA — Anabel e Crisman Urbaez, da Venezuela, junto com os dois filhos e um cachorro, dormem agora em camas quentes em um abrigo para famílias no Brooklyn, em Nova York.
Mas a sua calma relativa, hoje em dia, disfarça uma viagem agonizante que começou em Lima, Peru, depois de a riqueza da família secar e de ela se tornar alvo de ataques xenofóbicos. Eles já haviam migrado da Venezuela para o Peru um pouco antes.
Assim como os milhares de migrantes enviados do Texas para Washington, DC e Nova York (por ordem do governador do Texas para protestar contra as políticas de imigração do governo Joe Biden), a família Urbaez vendeu tudo o que possuía e arrecadou o que conseguiu para a viagem, sem se esquecer Max, o filhote de pit bull.
“A economia começou a entrar em crise no Peru”, contou Urbaez à CNN. “A gente não conseguia bancar nossa alimentação. Há também muita xenofobia contra venezuelanos na América Latina. Às vezes as pessoas nos xingavam, e eu não queria isso para meus filhos.”
De carro, a família cruzou partes do Equador e Colômbia no final de abril. Depois, uma caminhada de quatro dias pelas selvas do norte da Colômbia os levou até o Panamá.
Sebastian Urbaez, filho do casal, disse à CNN que ficou exausto várias vezes. Naqueles momentos, ele disse, o cãozinho Max se deitava sobre ele e lambia sua bochecha para animá-lo.

“Ele foi tão forte. Continuou andando com a gente. Ele não é apenas um cão. Ele é como nosso irmão agora”, disse Sebastian, de 9 anos.
Determinada a conseguir que Max entrasse nos Estados Unidos, a família contou que o escondeu com cobertores em vários ônibus, dizendo que era um bebê.
“Foi difícil de passar pela Costa Rica. Uma vez que eles perceberam que Max era um cão e pediram para gente sair do ônibus”, lembrou Crisman. “Mas a gente persistiu.”
Após semanas dormindo sobre caixas de papelão e de cruzar o México com segurança, a família atravessou o rio Grande e se entregou para as autoridades de imigração em Eagle Pass, Texas, em 19 de junho.
Asilo e procura por Max
A família Urbaez pediu asilo assim que atravessou a fronteira.
Só que os responsáveis pela imigração não queriam aceitar o pit bull Max no país. Eles disseram a Anabel para pensar em seus filhos e abandonar o cão.
“Mas eu não ia conseguir fazer isso”, contou a mãe. “Não depois de tudo o que ele passou com a gente.”
Sebastian e sua irmã de 6 anos, Criszanyelis, começaram a chorar enquanto os pais imploravam aos agentes de imigração para ter permissão de ficar com Max.
“Teve um agente que acho que foi colocado por Deus em nosso caminho”, disse Anabel. “Sou tão agradecida a ele. Ele também chorou um pouco. Ele disse que levaria Max a um abrigo e me deu o endereço para que eu pudesse procurar o nosso cachorro assim que fôssemos liberados.”
Segundo Anabel, o agente de imigração reconheceu Max a partir de artigos publicados por agências noticiosas latino-americanas, que cobriram a viagem incomum da família. O jornal mexicano “Posta”, por exemplo, apelidou o cão como “Max, o cão migrante”. O agente de imigração conhecia a saga.

Após a liberação, a família foi até o abrigo de animais para recuperar Max. Mas um funcionário disse que eles tinham entregado Max para um homem que afirmava que estava relacionado com a família.
A família Urbaez conseguiu localizar o homem — um colega migrante que tinha viajado com a família, de acordo com Anabel. Ele concordou em devolver o cachorro, mas eles teriam de buscá-lo em Uvalde, Texas.
Com a ajuda de um estranho que ofereceu carona, a família Urbaez reencontrou Max no dia seguinte.
No local, a família aproveitou para visitar o Uvalde Memorial Park, onde Criszanyelis deixou um brinquedo no memorial criado para as 21 vítimas da chacina na Robb Elementary School, ocorrida neste ano.
A selva urbana
Após a liberação da custódia dos EUA, os agentes da imigração no Texas direcionaram a família Urbaez para um abrigo na cidade de Nova York e programaram uma reunião com o tribunal de imigração.
A família, com Max em segurança sob sua custódia, se programou para chegar a Nova York e a comparecer ao tribunal.
Com a ajuda de um estranho, que conheceu os venezuelanos quando eles estavam sozinhos e sem recursos em um posto de gasolina, eles chegaram a San Antonio, ainda no Texas. Na cidade, buscaram uma organização que presta assistência aos imigrantes (Anabel não lembra o nome do grupo, mas disse que todos os trabalhadores usavam blusões azuis).
“Eles nos ajudaram e nos deram passagens de avião para Nova York, mas quando eles perceberam que tínhamos um cachorro, cancelaram a viagem”, contou Crisman.
A família disse à CNN que eles imploraram ajuda para a organização, até que por fim conseguiram passagens de ônibus para Nova York. Os venezuelanos passaram três dias na estrada até chegar a Nova York pouco antes da meia-noite de 27 de junho.
A família parou na Port Authority e começou a procurar o abrigo para imigrantes indicado pelos agentes do Texas. Depois de pedir informações várias vezes, finalmente encontraram o abrigo. Só que não puderam entrar, pois o local só aceita sobreviventes de violência doméstica, e não famílias inteiras, de acordo com Anabel.
Parecia que a família passaria a noite na rua, mas o proprietário de um mercadinho na esquina da 9th Avenue com 39th Street surpreendeu o casal.
Quando o comerciante ouviu a história da família, ofereceu-se para deixá-los dormir em seu caminhão durante a noite.
“Ele me disse que não queria nada de mim. Que me deixaria dormir em seu veículo durante a noite e me ajudaria a encontrar um lugar para ir no dia seguinte”, relatou o pai, Crisman.
No dia seguinte, o comerciante alimentou a família e deixou que eles ficassem em seu mercadinho.
Quando Robert Gonzalez, residente local e ativista que frequenta o mercado, passou por ali, o dono pediu que ele ajudasse a família.
Gonzalez, que tem ajudado famílias venezuelanas migrantes nos últimos dois anos, pediu ao comerciante que levasse a família ao Prevention Assistance and Temporary Housing Office (Escritório de Assistência à Prevenção e Habitação Temporária) no Bronx. Mas a família foi novamente rejeitada: o abrigo não permite cães.
Gonzalez então chegou a um amigo psicoterapeuta que ajudou a família a iniciar o processo para registar Max como um cão de serviço, para que assim pudesse se juntar à família em abrigos. Enquanto isso, um voluntário ficou com Max, e a família passou dois dias esperando que o centro de acolhimento de desabrigados da cidade processasse sua papelada.
A família vive agora em abrigo em Bushwick, Brooklyn. Mesmo agora, com finalmente uma cama quentinha para dormir, os venezuelanos sentem ainda que estão em uma espécie de limbo, mesmo sendo gratos por estarem nos Estados Unidos.
“O pai não pode trabalhar”, explicou Gonzalez. “Até que aconteça a próxima audiência, eles não têm permissão para trabalhar e assim devem confiar em pessoas como eu que estão dispostos a ajudar. É pior para os migrantes venezuelanos porque eles são órfãos de certa forma. Não há embaixada ou consulados venezuelanos nos Estados Unidos a que possam recorrer se precisarem de ajuda ou de uma cópia de um documento de seu país.”
Nos próximos meses, Sebastian e Criszanyelis Urbaez farão parte das cerca de mil crianças requerentes de asilo que o Departamento de Serviços Sociais espera inscrever nas escolas públicas de Nova York. É parte do Open Arms Project (Projeto Braços Abertos), uma iniciativa da cidade para ajudar as famílias que procuram asilo com necessidades acadêmicas e linguísticas.
A próxima data de audiência da família é em outubro de 2023, quando descobrirão se lhes foi dada permissão para trabalhar legalmente.
Em entrevista à CNN, Manuel Castro, comissário de Assuntos de Imigrantes de Nova York, afirmou que a cidade está pedindo ao governo federal que interpele e forneça apoio adicional à cidade e acelere as autorizações de trabalho para os requerentes de asilo.
“A maioria das famílias com quem falei quer trabalhar, não quer ficar em abrigos. Querem apenas contribuir para a sociedade, ficar em paz”, relatou Castro.
A boa notícia é que Max conseguiu o status de cão de serviço certificado.
“Nós não pensamos nele apenas como um cão. Nós o vemos como parte da família”, disse Anabel. “As crianças não teriam nos perdoado se ele fosse abandonado por nós”.
Este conteúdo foi originalmente publicado em Família venezuelana cruza 10 países com pit bull até chegar em Nova York no site CNN Brasil.