Aos 40 anos, Hezbollah está isolado, mas mais poderoso do que nunca


O Hezbollah marcou o 40º aniversário da sua fundação na segunda-feira (22) com grandes celebrações num palco no sul de Beirute, no Líbano.

Ali, hologramas de lutadores mortos na batalha e vídeos mostrando o confronto histórico do grupo com Israel empolgaram os presentes. Uma dança interpretativa, que descreve como o grupo libertou prisioneiros do Estado Islâmico na Síria, foi bastante aplaudida.

Ao longo dos anos, o grupo xiita libanês tentou mudar sua imagem de uma organização paramilitar apoiada pelo Irã para um ator político e regional sério. Quarenta anos depois, o Hezbollah é militarmente mais poderoso do que nunca, mas, ao mesmo tempo, nunca esteve mais globalmente isolado do que agora.

Muitos países, incluindo os Estados Unidos, o Reino Unido e a Alemanha, bem como os estados do Golfo Pérsico e a Liga Árabe, rotularam todo o grupo como uma organização terrorista.

Já a União Europeia e a França consideram apenas a ala militar do Hezbollah como tal. Hassan Nasrallah, líder do grupo, é considerado um terrorista internacional pelos Estados Unidos e, sendo assim, está sujeito a sanções norte-americanas.

O movimento surgiu em 1982 como resposta à invasão de Beirute por Israel durante a sangrenta guerra civil do Líbano. Os israelenses cumpriram o seu objetivo de expulsar combatentes palestinos do país, mas colheram como resultado um inimigo mais forte no Hezbollah.

O novo regime do Irã enxergou o grupo como um aliado adequado, tanto por causa de mesma ideologia xiita quanto pela posição do Hezbollah no coração do mundo árabe. O país começou, então, a fornecer financiamento e treinamento ao grupo logo após a sua criação.

Desde então, o Hezbollah se expandiu, inclusive militarmente. Em 2000, as forças israelenses se retiraram do sul do Líbano após um prolongado conflito com o grupo. Em 2006, o grupo manteve suas posições numa guerra contra Israel, quando Israel procurou desarmá-lo.

Durante a guerra civil da Síria, o grupo interveio com sucesso em nome do presidente Bashar al-Assad e ajudou a reforçar as suas defesas após o ditador ter reprimido com violência uma revolta popular.

Na época, a influência política do grupo parecia estar numa ascendente sem interrupção, apesar de uma aposta interna (apoiada pela Arábia Saudita) de frear seu poder, que se estendia rapidamente para além do Líbano.

As opiniões no Líbano estão divididas: 52% dos libaneses não acreditam que o Hezbollah promova a estabilidade do país, de acordo com uma pesquisa do instituto Zogby de 2021, enquanto o restante acredita que sim.

As divisões sectárias são mais flagrantes. Oitenta por cento dos xiitas têm confiança de que o Hezbollah beneficia a estabilidade do Líbano, assim como maiorias de drusos (64%) e cristãos (56%); mas nenhum dos pesquisados sunitas expressou esse sentimento, de acordo com a pesquisa.

Nasrallah foi outrora considerado um herói pelos árabes por ter enfrentado Israel. Mas, para Shibley Telhami, professor da Universidade de Maryland que tem conduzido pesquisas de opinião no mundo árabe, “as atitudes públicas em relação ao Hezbollah entre árabes podem ter sido afetadas pelas revoltas da Primavera Árabe, pela guerra na Síria, pelas tensões
sectárias no Líbano e pelas rivalidades iranianas-árabes”.

“A nível oficial, o Hezbollah é um movimento de resistência; no entanto, o seu papel evoluiu para além do Líbano à medida que o grupo se transformou num ator regional”, completou Mohanad Hage Ali, um colega do Carnegie Middle East Center em Beirute.

“Chamar o Hezbollah de movimento de resistência é impreciso”. O Hezbollah virou um ator crucial na cena política libanesa. Os opositores o rotulam como um estado sombrio dentro de um estado, liderado por Hassan Nasrallah desde a sua ascensão ao cargo de secretário-geral em 1992.

Líder impetuoso e carismático, Nasrallah raramente aparece em público desde a guerra de 2006 com Israel, aparentemente por medo do assassinato. Na reunião de aniversário do grupo esta semana, ele fez seu discurso comemorativo por vídeo.

A guerra de 2006 com Israel foi instigada por um ataque na fronteira dos dois países pelo Hezbollah, no qual oito soldados israelenses foram mortos e dois sequestrados. O combate resultante causou a morte de 121 militares e 49 civis israelenses. Do outro lado, morreram cerca de 270 combatentes do Hezbollah, além de 50 soldados e policiais libaneses. Mais: cerca de 1.200 pessoas no Líbano, principalmente civis, morreram na resposta israelense.

“O Hezbollah sempre teve um interesse em uma força armada libanesa fraca e obediente. É altamente discutível se o Líbano é mais seguro por causa das ações do Hezbollah”, opinou Emile Hokayem, especialista em segurança no Oriente Médio no Instituto Internacional para Estudos Estratégicos.

“Por um lado, o Hezbollah estabeleceu um nível de dissuasão contra Israel. Por outro, o Líbano é objetivamente mais fraco, isolado, economicamente desprezado e politicamente desarranjado”, continuou.

Para Israel, o armamento avançado do grupo xiita representa uma ameaça maior do que a de outros grupos palestinos apoiados pelo Irã que operam em Gaza.

Ao longo da última década, o Hezbollah tem tido um papel cada vez mais ativo na região, incluindo no Iraque e no Iêmen. O compromisso militar estrangeiro mais significativo do grupo foi na Síria, onde milhares de combatentes foram destacados para defender o regime de Assad.

“O Hezbollah desempenhou um papel central no conflito sírio ao atuar diretamente nele, revertendo os ganhos da oposição”, comentou Ali, do Carnegie Middle East Center. “No entanto, as suas intervenções no Iraque e no Iêmen estão mais do lado político e logístico, especificamente o treinamento e a facilitação política”.

O líder do Hezbollah, Nasrallah, usa regularmente linguagem inflamatória contra os estados árabes do Golfo, particularmente a Arábia Saudita.

“O Hezbollah envenenou as relações libanesas com os estados do Golfo, que têm sido linhas de salvação econômicas cruciais para a diáspora e o estado libaneses”, disse a especialista Hokayem, do Instituto Internacional para Estudos Estratégicos.

“Em Riad, Abu Dhabi e noutros lugares, o Líbano é visto como uma ameaça, um país fraco demais para impedir que o seu principal partido político ponha em perigo a sua segurança”.

Centenas de milhares de libaneses trabalham nos estados do Golfo Pérsico ricos em petróleo, enviando bilhões em dinheiro de volta para casa. As remessas internas representam 54% da economia do Líbano, segundo o Banco Mundial.

Dito isso, o grupo parece agora suavizar o seu tom em direção aos países do Golfo. No recente discurso dos 40 anos, Nasrallah declarou: “Não temos problemas com as relações do Líbano com os países árabes e, especialmente, com os países do Golfo, nem
problemas para que essas relações evoluam e fortaleçam”.

“Agora, como o Irã está prestes a voltar ao acordo nuclear e retomar as relações diplomáticas com os estados do Golfo, o Hezbollah deve logicamente seguir o exemplo e diminuir a temperatura de sua retórica”, comentou Ali.

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