Líderes do G7 enfrentam diversas crises, e Putin estará de olho em suas falhas


Enormes desafios, alguns deles sequer imagináveis quando os líderes do G7 se reuniram 12 meses atrás, estão castigando as nações democráticas mais prósperas do mundo no momento em que se preparam para se encontrar na Alemanha neste domingo (26).

O otimismo estava no ar no resort de praia de Carbis Bay, na Cornualha, Inglaterra, em 2021, quando os presidentes, os primeiros-ministros e chanceler do G7 se encontraram presencialmente pela primeira vez desde o início da pandemia de Covid-19. Juntos, os líderes prometeram “vencer a Covid-19 e reconstruir”, “revigorar as economias”, “proteger o nosso planeta” e “fortalecer parcerias”.

Entretanto, de lá para cá, os acontecimentos mundiais superaram os seus melhores esforços. Não está claro, muito ao contrário, se eles poderão conquistas esses objetivos neste ano. A invasão sem justificativa da Ucrânia pela Rússia é uma nuvem grande e singular, mas outros trovões também soam no horizonte.

Nos próximos dias, os líderes do Japão, Canadá, Estados Unidos, Reino Unido, França, Itália, União Europeia e Alemanha – a anfitriã da cúpula – vão se reunir no meio da reclusão do luxuoso Schloss Elmau, na Baviera.

Situado em um vale tranquilo, o spa resort geralmente oferece aos ricos hóspedes uma breve chance de escapar das preocupações do mundo. Mas nem mesmo o Schloss Elmau pode proteger os líderes globais dos problemas que se amontoam no horizonte.

Autoridades ligadas ao presidente russo, Vladmir Putin, andam sugerindo o armageddon nuclear. A China está colocando cada vez mais as mangas de fora, uma crise alimentar global está a caminho, os preços do petróleo seguem subindo e uma desaceleração da economia global e uma crise de custo de vida estão surgindo.

As aspirações relativas às alterações climáticas também estão se avolumando, assim como os problemas na cadeia de abastecimento, que abalam as esperanças de um regresso pós-pandêmico à normalidade.

Não bastasse tudo isso, o anfitrião da cúpula do ano passado, o Reino Unido, ameaça quebrar as leis internacionais por causa de seu acordo do Brexit com a União Europeia (isso sem falar de seu controverso plano para deportar os requerentes de asilo para o Ruanda), mesmo com o risco de balançar a ordem mundial que ajudou a construir, diluindo a já limitada eficácia do G7.

Embora os líderes do G7 possam olhar para o passado com um certo orgulho por causa da união demonstrada na agressão sem precedentes da Rússia (como visto na meta “fortalecer parcerias” acordada na Cornualha), a escala de crises iminentes consegue minar até mesmo esse lado otimista.

Putin não é inteiramente culpado pela próxima tempestade, mas a sua guerra injustificada na Ucrânia está ligada de forma inseparável a muitas das crises emergentes. Sem a guerra, as correções necessárias seriam mais fáceis e em menor número, e seu impactos menos perniciosos.

Crise alimentar

A crise global de alimentos é um exemplo. Ela pode ser imputada, em parte, a questões globais pós-pandêmicas da cadeia de abastecimento, mas o roubo de trigo ucraniano pela Rússia e o bloqueio ao transporte marítimo ucraniano no Mar Negro, que está impedindo o trigo da Ucrânia e outros produtos agrícolas de chegarem aos mercados internacionais, também desempenham um papel importante.

De acordo com o Programa Mundial de Alimentos (PAM) da ONU, a Ucrânia normalmente é responsável por 40% do fornecimento de trigo. Já a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) diz que a Ucrânia fornece 16% das exportações mundiais de milho e mais de 40% do óleo de girassol.

A ONG global International Rescue Committee (IRC) disse recentemente que “98% das exportações de trigo e outros grãos da Ucrânia permanecem sob bloqueio”, acrescentando que “os preços dos alimentos em todo o mundo têm disparado 41% e a projeção é que mais 47 milhões de pessoas vivenciem fome aguda este ano”.

Tradicionalmente, as exportações de trigo e grãos da Ucrânia vão para algumas das nações mais necessitadas do mundo: Líbia, Líbano, Iêmen, Somália, Quénia, Eritreia e Etiópia.

Para melhorar a situação, o G7 terá de fazer com que Putin recue em alguns dos seus objetivos de guerra, o que seria, por exemplo, terminar o conflito ou restaurar o controle do governo ucraniano na região de Donbass – mas até agora não há qualquer indicação de que ele esteja perto de cumprir tais pedidos.

Crise energética O aumento dos preços do petróleo é outro subproduto da guerra de Putin – embora tenha sido agravado pelo fato de a produção de petróleo não corresponder aos aumentos do consumo pós-pandêmico.

Para resolver esse ponto, o G7 terá de convencer os parceiros da Rússia na Opep, incluindo a Arábia Saudita, a se virar contra Putin e aumentar a produção de petróleo.

A viagem do presidente dos Estados Unidos Joe Biden a Jeddah, prevista para meados de julho, e a viagem feita em março pelo primeiro-ministro do Reino Unido Boris Johnson a Riyadh, ambos destinos na Arábia Saudita, sugerem que o G7 poderá fazer progressos neste aspecto, mas ainda não existem garantias.

A Arábia Saudita, assim como a Rússia, se beneficia enormemente com os altos preços do petróleo; o seu ganho é problemático para os bilhões parados nessa conta de levar alimento para os mercados.

No ano passado, o G7 só falou de emissões líquidas zero e uma recuperação verde após a pandemia. Mas a luta deste ano por parte das nações ocidentais para desmamarem do petróleo e do gás russos valorizou o maior contribuinte único para a crise climática: o carvão.

A Alemanha, anfitriã do G7, está agora em modo de crise, já que a Rússia reduziu o fornecimento de gás ao país, usando a energia como arma para obter influência, como se temia. Agora, a Alemanha diz que irá ativar mais usinas movidas a carvão.

Trata-se de um retorno a novembro passado, quando a Alemanha apresentou o seu prazo para eliminar gradualmente o carvão para 2030, oito anos antes do previsto. Após a invasão da Rússia, o país acelerou também os planos para a transição do seu setor energético para 100% de energias renováveis em cinco anos.

O primeiro-ministro britânico Boris Johnson – que disse no ano passado que o mundo tinha chegado a um ponto de não retorno na eliminação progressiva do carvão – nesta semana sugeriu que o Reino Unido começasse a extrair o combustível fóssil novamente para o setor siderúrgico.

O país irá também atrasar um plano para fechar mais centrais de energia movidas a carvão antes do próximo inverno. Por fim, para resolver a crise do petróleo, Biden está sugerindo férias fiscais sobre o combustível, cujos preços só sobem.

Pressões econômicas

No seu objetivo acordado na Cornualha de “reconstruir melhor”, as nações do G7 nunca conseguiram regressar às condições de normalidade pré-Covid. Voos cancelados e caos no setor de viagens por toda a Europa, indo além do verão, são apenas a ponta visível de um problema de tamanho de iceberg que desafia correções rápidas.

A insistência da China em continuar a aplicar uma estratégia de “Covid zero” está atrapalhando não só o retorno à economia como de costume, como também causando ondas nas cadeias de abastecimento globais, com lockdowns impedindo os trabalhos nas fábricas e, nos piores casos, parando a produção.

Apesar das crescentes tensões com as nações do G7, a China não dá sinais de alinhamento com as novas normas pós-Covid.

Nos países do G7 e além, a inflação está subindo, os bancos centrais estão aumentando as taxas de empréstimo e uma desaceleração econômica global parece muito mais provável este ano do que no passado. O homem mais rico do mundo, Elon Musk, prevê que uma recessão nos Estados Unidos é “inevitável”.

Os problemas se sobrepõem de uma forma que lembra um pouco a recessão econômica global de 2008.

À época, os bancos centrais se uniram e pararam o estrago econômico, mas as repercussões geopolíticas se acumularam nos anos seguintes.

A Primavera Árabe assinalou que a dor econômica tinha ultrapassado um limiar. Quando o pobre comerciante de rua tunisino Mohamed Bouazizi jogou fogo no próprio corpo em dezembro de 2010, ele incendiou movimentos no Oriente Médio.

Os manifestantes saíram às ruas, derrubando dois governos e chocando muitos mais, antes de a calma ter sido parcialmente restaurada na região, no final do ano seguinte.

Não é impossível que outra crise econômica global possa desencadear uma onda ainda mais ampla de agitação. Nos últimos meses, o Sri Lanka assistiu a um movimento gerado pela turbulência econômica chegar às ruas. O aumento dos preços também provocou agitação popular no Paquistão e no Peru.

Putin aposta na falta de consenso

O que os líderes do G7 podem fazer para sair de uma época de desespero poderia muito bem ser limitado pelas falhas globais que a Rússia vem explorando de forma intencional.

Apenas algumas semanas antes de as forças de Putin invadirem a Ucrânia, Putin foi para a China e se encontrou com o presidente Xi Jinping. Os dois prometeram uma cooperação mais profunda e, apesar dos avisos das nações do G7 e de outros, Xi duplicou esse compromisso e ficou ainda mais assertivo sobre o futuro de Taiwan.

O consenso na ONU e no G20, dois outros bombeiros de crise global e de bolso, está em farrapos. As votações no Conselho de Segurança das Nações Unidas mostram que a Rússia e a China usam o poder de veto para impedir qualquer censura à invasão de Putin.

Por sua vez, os Estados Unidos sugeriram que não participarão da cúpula dos líderes do G20 na Indonésia, em novembro, se a Rússia for. O Reino Unido fez o mesmo. A China se recusou a denunciar a Rússia pela invasão da Ucrânia e ambos adotaram um discurso belicoso em relação aos interesses das principais democracias do mundo (as nações do G7) contra elas.

China e Rússia sabem que os problemas dos países em desenvolvimento afetam as nações do G7 antes delas – já que a maioria dos migrantes escolhe ir para os países desenvolvidos que irão proteger os seus direitos – e parecem dispostos a alavancar as crises mundiais em seu proveito, deixando o G7 sozinho para encarar a próxima tempestade.

Mas, até agora, apesar das diferentes relações com a Rússia, o G7 se mantem unido.

Emmanuel Macron, da França, falou mais com Putin do que qualquer outro líder do G7 ao longo do ano. Ele insiste que a Rússia “não deve ser humilhada”, enquanto Biden acusa a Rússia de ter “alimentado uma crise energética global” ao invadir a Ucrânia e o seu chefe da Defesa, Lloyd Austin, diz que Putin deveria “ser enfraquecido”.

O que está claro é que este G7 tem mais apostas que as cúpulas anteriores: o sucesso virá da atenuação das crises, e não do fim delas. O fracasso é exatamente o que Putin quer.

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