Fim da emergência em saúde reforça debate sobre politização


O fim do estado de emergência em saúde no Brasil pela Covid-19 vai sair do papel até o fim desta semana. O ministro da saúde, Marcelo Queiroga, explicou, nesta segunda-feira (18) o que motivou a decisão, que não é consenso entre órgãos de saúde e especialistas.

“Todos nós sabemos que hoje não vivemos mais uma emergência de saúde pública de importância nacional. Apenas o que nós vamos fazer é reconhecer esse estágio que estamos vivendo hoje. Temos hoje o cenário epidemiológico controlado, uma queda consistente do número de casos e do número de óbitos”, afirmou.

A medida não é consenso entre órgãos de saúde e especialistas. Nesta terça-feira (19), os conselhos nacionais de secretários estaduais e municipais de saúde vão divulgar um documento conjunto com críticas à decisão do governo.

A preocupação é com a falta de um plano para a gestão futura da Covid-19 –apreensão até mesmo de quem concorda que a situação epidemiológica está controlada.

“Porque o decreto em si, a gente pode dizer: é o momento, sim. A gente tem baixo número de casos, baixa hospitalização e baixo número de óbitos. Entretanto, como que a gente vai fazer isso? Geralmente é importante ter um tempo de adaptação de 60, 90 dias”, comentou o infectologista Julio Croda, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Para o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alexandre Naime, o governo federal vai retirar um status que nunca considerou. Por isso, para o médico, a medida é uma jogada eleitoreira.

“Na verdade, ficou muito mais como um discurso retórico do que uma mudança de fato. Primeiro porque, infelizmente, para o governo federal, a pandemia nunca se constituiu numa verdadeira emergência em termos de ações. Nós não vimos ações de testagem em massa, testagem de todos os indivíduos sintomáticos, isolamento de contactantes. Nós tivemos uma demora excessiva na compra das vacinas”, comentou.

A política de combate à pandemia é uma pedra no sapato do presidente Jair Bolsonaro (PL). Candidato à reeleição, ele sabe que sofrerá ataques dos adversários por conta disso. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da pandemia e a comoção pelo alto número de mortes expuseram o governo federal e aumentaram a rejeição a Bolsonaro. Por isso, especialistas acreditam que o fim do estado de emergência poderá ser usado pelo presidente como uma “virada de página”.

“Acho que essa é também uma intenção do presidente. É superar esse momento mais difícil que ele teve, quando os seus erros na pandemia foram todos expostos, e problemas que não se imaginava que houvesse ali, como que ações de corrupção na área da saúde, inclusive na compra de vacina também foram mostrados. E, claro, desgastou muito governo”, avalia o cientista político Cláudio Couto, professor da FGV em São Paulo.

A última pesquisa Quaest revelou que os eleitores estão mais preocupados com a economia do que com a pandemia, atualmente. Mesmo assim, especialistas avaliam que a conduta do presidente na gestão da crise sanitária vai voltar à tona na campanha presidencial.

“Os adversários, sobretudo durante a campanha eleitoral, vão fazer questão de lembrar o tempo inteiro de como presidente se comportou durante a pandemia. E claro que por conta disso também não vai ser tão fácil para ele simplesmente virar essa página e fingir que nada aconteceu, que, portanto os assuntos têm que ser outros. O passado vai cobrar sua fatura”, acrescentou Couto.

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