Processo que explica explosão de supernovas foi inspirado pelo Cassino da Urca


Estrelas são máquinas de fundir elementos. Elas começam como uma grande nuvem de hidrogênio, que se concentra até formar uma bola. Por conta da gravidade descomunal no centro dela, núcleos de átomos de hidrogênio se fundem, formando hélio. A energia que esse processo de fusão nuclear libera é o que faz a estrela brilhar. Mas não só. Ela também serve de contrapeso à gravidade, e evita que a estrela colapse sobre si mesma – o que causaria uma bela explosão cósmica.

Só que uma hora a explosão vem, naquilo que os cientistas chamam de supernova. Isso acontece quando o núcleo deixa de produzir a energia necessária para evitar o desmoronamento estelar. Uma das partículas que o núcleo ejeta o tempo todo, e que contribuem para a perda de energia ali, são os neutrinos. Eles são um bilhão de vezes menores que um próton e, nos momentos finais da vida de uma estrela, escapam dos núcleos estelares tão rápido, mas tão rápido… quanto o dinheiro fluía dos bolsos de apostadores no Cassino da Urca, no Rio de Janeiro.

Essa analogia saiu da boca do físico russo George Gamow, que, além de formular a produção de neutrinos, ajudou a criar a teoria do Big Bang. Mas como ele fez essa relação?

Gambling Gamow

<span class="hidden">–</span>Leandro Lassmar/Superinteressante

O Cassino da Urca não existe desde que esses salões foram proibidos no Brasil, em 1946. Sua era de ouro, de qualquer forma, deixou um legado para a astrofísica: o fenômeno estelar de expulsão acelerada de neutrinos que acabamos de descrever ficou conhecido mundialmente como Processo Urca.

Isso porque George Gamow conhecia bem o cassino. Ele viveu a libertinagem carioca em junho de 1939, quando visitou o Brasil para dar uma série de palestras. O russo ainda passaria mais dois meses por aqui, entre São Paulo e Rio de Janeiro.

Continua após a publicidade

O convite foi da Academia Nacional de Medicina, mas as aulas eram de física mesmo. Os auditórios ficavam lotados de pesquisadores, estudantes e curiosos. Os jornais da época se enrolavam para tentar explicar o conteúdo das conferências – que incrivelmente o estudioso conseguia apresentar após noites bem movimentadas.

<span class="hidden">–</span>Domínio público/Wikimedia Commons

Em suas madrugadas no Cassino da Urca, o russo estava acompanhado de pelo menos uma pessoa notável: o recifense Mário Schenberg – que, segundo Albert Einstein, foi um dos dez maiores físicos do século 20.

A primeira vez que Schenberg ouviu falar de neutrinos foi em uma conversa informal com o físico Wolfgang Pauli. Depois, o tema reapareceu numa palestra que Enrico Fermi ministrou no Brasil em 1934 (sim, o país estava pipocando de cientistas internacionais na primeira metade do século passado). O brasileiro trabalhou com Gamow entre 1940 e 1941 nos Estados Unidos, e na época disse ao russo que ele deveria considerar os neutrinos ao descrever a explosão das supernovas. O russo pôs as mãos na cabeça, tamanho seu choque com a revelação.

Após meses estudando a relação dos neutrinos com explosões estelares, Gamow lembrou-se das apostas no cassino carioca, onde os  frequentadores viviam hipnotizados pelos shows de Carmen Miranda. Olhou para Schenberg e fez a analogia: “Bem, a energia está desaparecendo do centro da supernova com a mesma rapidez com que o dinheiro sumia naquela mesa de roleta”.

Em 1940, Gamow e Schenberg publicaram juntos o artigo traduzido como “O possível papel dos neutrinos na evolução estelar”, em que descrevem o Processo Urca. O carinho de Gamow pelo estabelecimento do Rio não era conhecido na época, então alguns astrofísicos interpretaram o nome como uma abreviação para Ultra Rapid Catastrophe. Mas o próprio Schenberg explicou em uma entrevista: “realmente, era só uma alusão ao Cassino da Urca”.

Compartilhe essa matéria via:

Essa é a primeira parte da matéria “Aventuras (e perrengues) de cinco cientistas no Brasil”. Confira o segundo texto aqui.

Continua após a publicidade