Como a biodiversidade e escravidão no Brasil influenciaram o pensamento de Darwin


Fernando de Noronha é um destino interessante para quem gosta de ciência. Não só pela natureza exuberante, mas também porque esse foi o primeiro pedaço de chão brasileiro que Charles Darwin conheceu. 

O criador da Teoria da Evolução passou só algumas horas no arquipélago, quando o navio HMS Beagle (o mesmo que o levou às Ilhas Galápagos) atracou em 20 de fevereiro de 1832.

Darwin tinha apenas 23 anos. Embarcou no HMS Beagle como “companheiro do capitão” (uma espécie de cargo na época). O tal capitão era um cientista, Robert Fitzroy, e aprovou o jovem naturalista para a vaga. Darwin aproveitaria a expedição para estudar a biologia e a geologia de terras pouco exploradas. A viagem durou cinco anos.

Noronha não impressionou o naturalista. Ele gostou mesmo quando o navio aportou em Salvador. Aí, sim, Darwin ficou sem palavras. Era a primeira vez que via uma de nossas matas por dentro. Ele comparou a garoa inglesa ao toró do Brasil: “Fui surpreendido por uma tempestade tropical. Procurei me abrigar debaixo de uma árvore, cuja copa cerrada seria impermeável à chuva comum da Inglaterra. Aqui, porém, após alguns minutos, uma pequena cachoeira descia pelo enorme tronco”.

Apesar da tromba d’água, ele não se abalou. Em seu diário de viagem, no dia 29 de fevereiro, escreveu que o dia havia transcorrido “deliciosamente”. Mais do que isso: “delícia é termo insuficiente para dar conta das emoções sentidas por um naturalista que, pela primeira vez, se viu a sós com a natureza no seio de uma floresta brasileira”.

O viajante passou o final de fevereiro e a primeira metade de março em Salvador. Sim: Darwin conheceu o Carnaval baiano. Mas, diferente de Feynman, odiou. Na segunda-feira de Carnaval, enquanto dava um rolê pela cidade, o naturalista foi atingido por bolas de cera cheias de água e ficou empapado com sacos de farinha jogados pelos foliões. “Difícil manter a nossa dignidade”.

Origem das espécies brasileiras

<span class="hidden">–</span>Leandro Lassmar/Superinteressante

Foram 18 dias na capital baiana. Darwin gostava de se embrenhar na floresta para coletar aves, insetos, lagartos e plantas. Até escreveu para seu pai sugerindo que plantasse um pé de bananeira na propriedade que eles tinham na Inglaterra. A árvore ficou tão grande que ocupou toda a estufa.

Para quem se empolgava com os besouros encontrados nas gramas de Cambridge, o Brasil era o paraíso. No diário de viagem, ele não parou de escrever sobre como ficou maravilhado com nossa biodiversidade. A maior parte das coletas foram feitas no Rio de Janeiro, onde o britânico passou quatro meses. As novas espécies eram enviadas em navios para classificação e análise em Londres. 

Darwin sentiu um pouco do que é ser brasileiro quando teve de lidar com a burocracia do Rio. Levou um dia inteiro para conseguir uma autorização para explorar o interior do estado. “Nunca é agradável submeter-se à insolência de homens de escritório. Mas aos brasileiros, que são tão desprezíveis mentalmente quanto são miseráveis as suas pessoas, é quase intolerável”, ele reclamou no diário. O que lhe importava mesmo era a beleza natural daqui, que, segundo o próprio, faria qualquer naturalista “lamber o pó da sola dos pés de um brasileiro”.

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O naturalista ficou hospedado em uma casa em Botafogo, logo abaixo do morro do Corcovado. Um dos seus maiores prazeres era se sentar sozinho no jardim e observar as nuvens ao pôr-do-sol. Ele também descreve as pessoas, casas e estabelecimentos que conheceu. Há, inclusive, roteiros turísticos para quem queira fazer os mesmos passos de Darwin pelo interior do Rio.

Os bicos dos tentilhões de Galápagos (para onde Darwin seguiria viagem) podem até ser o símbolo da seleção natural. Mas foram as espécies brasileiras que deram o pontapé nos pensamentos que levariam à teoria mais importante da biologia.

Escravidão

Para Darwin, o pior do Brasil era, definitivamente, o brasileiro. Não era um preconceito vazio. Darwin cresceu em uma família antiescravagista. Seus avós participaram de movimentos abolicionistas.  E, no Brasil, a Lei Áurea só seria assinada 50 anos depois.

Duas situações vistas no país foram especialmente detestáveis. A primeira aconteceu na cidade de Maricá, a 60 km da capital do Rio de Janeiro. Um grupo de escravizados estava sendo caçado, e em determinado momento acabaram encurralados em um precipício. Uma mulher (velha, segundo Darwin) preferiu se jogar no precipício a ser capturada.

A segunda foi em Conceição de Macabu, 10 dias depois. Um senhor de escravizados ameaçou separar 30 famílias, vendendo pais, mães e filhos para empresários diferentes. “Um ato atroz que só poderia acontecer em um país escravista”, anotou.

Há quem diga que o repúdio à escravidão também se relaciona, de alguma forma, à Teoria da Evolução. Afinal, ele conclui que todos os seres humanos vieram de um ancestral comum, e por isso é irracional acreditar na superioridade de alguns em relação a outros. Darwin ficaria chocado se soubesse que, anos depois, sua teoria seria distorcida para promover a eugenia.

Depois do Rio de Janeiro, Darwin seguiu viagem para contornar a América do Sul. Depois de quatro anos e uma volta ao mundo, aportou por aqui de novo, no Recife. Fez poucos comentários sobre a capital de Pernambuco. Um deles foi o seguinte, quando estava partindo: “Dou graças a Deus. Espero nunca mais visitar um país de escravos”.

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Essa é a quarta parte da matéria “Aventuras (e perrengues) de cinco cientistas no Brasil”. Confira o quinto texto aqui.

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