“Um pequeno clássico.” Assim o New York Times definiu o segundo livro do nova-iorquino Mario Puzo (1920-1999), uma história autobiográfica sobre uma família de imigrantes italianos nos Estados Unidos. Mas, apesar das boas críticas, The Fortunate Pilgrim (“O Peregrino Afortunado”, sem edição brasileira), de 1965, vendeu apenas 4 mil exemplares – o que não bastava para o escritor sustentar sua esposa e cinco filhos.
Então seu editor sugeriu que considerasse escrever um livro sobre os mafiosos italianos. Disse que, provavelmente, The Fortunate Pilgrim venderia melhor se tivesse mais crime no enredo.
Puzo não gostou da ideia. Considerava-se um artista, era consciente da qualidade literária das frases que saíam da máquina de escrever… Não queria encher suas páginas com o sangue de gângsters para uma tentativa (talvez malsucedida) de tornar seu trabalho mais comercial.
Relutou bastante até ceder aos fatos: com mais de 45 anos, devia dinheiro a (nesta ordem de encrenca) parentes, bancos, casas de apostas e agiotas. Sabia que, se não arrumasse algo rentável em pouco tempo, podia voltar para casa um dia com os dois braços quebrados.
Cosa nostra – mas não de Puzo
Apesar da ascendência italiana e de ter crescido num bairro violento – Hell’s Kitchen (“cozinha do Diabo”), área de Manhattan dominada, nos anos 1960, por irlandeses de baixa renda, muitos ligados a pequenos golpes –, Puzo não tinha nenhuma familiaridade com os negócios da máfia. Tudo o que se refere aos códigos e práticas do crime organizado à italiana foi fruto de pesquisa para escrever o livro. E um pouquinho de inspiração materna.
Sua mãe, nascida em Nápoles, no sul da Itália, foi o modelo para o personagem Vito Corleone, o patriarca facínora que faz ofertas que você não pode recusar. Puzo dizia ouvir a voz dela nos diálogos do mafioso. “Assim como Don [Corleone], ela podia ser extremamente afetuosa e igualmente implacável.”
Embora não conhecesse o universo dos gângsters por experiência própria, o escritor foi convincente. Seu livro, The Godfather (literalmente, “O Padrinho”), tornou-se um best-seller assim que chegou às livrarias, em março de 1969: ficou 67 semanas nas listas dos mais vendidos nos EUA. Tão convincente que, anos depois, Puzo foi abordado por um assassino da máfia de Chicago, interessado em saber como o escritor tivera acesso aos líderes mafiosos para reproduzir tão bem suas falas e costumes. Mas não. O artista nunca tinha falado com um gângster de verdade para escrever seu livro. (Esse assassino curioso, John Roselli, teria seu cadáver encontrado mais tarde flutuando numa baía da Flórida, dentro de um barril fechado com correntes. Uma violência tão terrível quanto a da ficção.)
Com o sucesso de The Godfather, Mario Puzo pagou a todos seus credores e ficou rico com os royalties. Ficaria ainda mais quando a Paramount adquiriu os direitos da obra e a transformou num dos filmes mais mencionados como “o melhor da história do cinema”. The Godfather, o filme do diretor Francis Ford Coppola, estreou há 50 anos, completados agora em março, e aqui ganhou título mais apropriado às comédias de gosto duvidoso que o Brasil lançava às pencas nos anos 1970: O Poderoso Chefão.
Puzo participaria do roteiro do longa-metragem, que conseguiu unir qualidade cinematográfica com um tremendo sucesso de bilheteria. Algo que, na visão do próprio Mario Puzo, seu livro não atingiu.
“‘O Poderoso Chefão’ [o livro] não é tão bom quanto meus romances anteriores”, assumiria o autor, que sentiu falta de mérito artístico na obra que o afastou para sempre das ameaças dos agiotas. “Só escrevi para ganhar dinheiro.”