Fiocruz alerta que doenças transmitidas por animais foram esquecidas na pandemia


As doenças transmitidas de animais para pessoas são consideradas zoonoses. Agravos como a febre maculosa, a febre Q, as hantaviroses e as arenaviroses podem apresentar quadros clínicos iniciais comuns a outras infecções. A semelhança entre os sintomas, que incluem febre, dor de cabeça ou no corpo e mal-estar, contribui para dificultar o diagnóstico adequado das infecções.

Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) alertam que, em meio à pandemia de Covid-19, as zoonoses têm sido esquecidas no momento do diagnóstico dos pacientes, levando a atrasos na detecção e aumentando os riscos de quadros graves e mortes.

Em um artigo publicado no periódico científico The Lancet Regional Health – Americas, pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) ressaltam que a conscientização é fundamental para evitar óbitos.

“Ano passado, um paciente com hantavirose recebeu diagnóstico de Covid-19 no Rio Grande do Sul e acabou falecendo. Esse ano, em um surto de febre maculosa com cinco casos no Rio de Janeiro, dois pacientes receberam diagnóstico de Covid-19 e morreram porque o tratamento da febre maculosa não foi iniciado a tempo. Mesmo em um período de pandemia, é preciso levar em conta esses patógenos zoonóticos que circulam no Brasil, mas que são invisibilizados”, afirmou a pesquisadora Elba Lemos, da Fiocruz, em um comunicado.

A febre maculosa e as hantaviroses são as doenças mais frequentes relatadas no artigo. Entre 2010 e 2020, foram confirmados mais de 1,9 mil casos de febre maculosa no Brasil, com 679 óbitos, o que significa uma taxa de letalidade de 35%. No mesmo período, 996 infecções por hantavírus foram confirmadas, com 414 mortes, o que corresponde a uma taxa de letalidade de 41%.

“A febre maculosa pode ser curada com um antibiótico barato. Porém, se o medicamento não é administrado no início da infecção, a bactéria faz um estrago grande nos vasos sanguíneos e o dano se torna irreversível. Na hantavirose, não existe tratamento específico contra o vírus, mas o diagnóstico é importante para oferecer o suporte adequado para os pacientes”, explica Elba.

Doenças associadas às chuvas e enchentes

O período do verão, marcado pela combinação de fortes chuvas e calor intenso, favorece a transmissão de doenças. Além dos riscos diretos à vida das populações, devido à grande força das águas e de deslizamentos de terra, os alagamentos favorecem a transmissão de leptospirose, difteria, cólera, febre tifoide, hepatite A, giardíase, amebíase, gastroenterites diarreicas e esquistossomose.

No artigo, os pesquisadores da Fiocruz recomendam o aumento dos cuidados após a tragédia causada pelas chuvas em Petrópolis, na Região Serrana do Rio de Janeiro, devido aos riscos de transmissão de zoonoses.

“Animais resgatados após as chuvas podem estar com carrapatos, que são transmissores da bactéria Rickettsia rickettsii, causadora da febre maculosa. É muito importante ter cuidado no momento do resgate e tratar os animais com carrapaticida”, diz a cientista. Segundo ela, em 2011, quando municípios da Região Serrana foram devastados por fortes chuvas, cinco pessoas morreram de febre maculosa após lidar com cães resgatados.

A leptospirose, causada pela bactéria Leptospira, eliminada na urina de ratos, também pode infectar pessoas que entram em contato com a água das enchentes. “Dependendo do histórico relatado pelo paciente, estas doenças precisam ser consideradas no momento do diagnóstico diferencial em casos com manifestações clínicas inespecíficas, como febre”, completa Elba.

Vigilância

Por serem transmitidas de animais para pessoas, as zoonoses apresentam contextos de risco específicos, que propiciam a exposição humana aos microrganismos. Os pesquisadores apontam para a importância da vigilância para o conhecimento das áreas de circulação dos agentes causadores de doenças e dos animais que atuam como reservatórios, com o objetivo de facilitar o diagnóstico precoce das infecções.

Com o baixo índice de diagnósticos, o impacto de algumas zoonoses pode ser subestimado por gestores e autoridades de saúde, alertam os pesquisadores. “Precisamos mapear os locais em que há presença dos agentes infecciosos zoonóticos para que o sistema de saúde esteja preparado. Por isso, a vigilância e a pesquisa são tão importantes. É um conhecimento para a ação”, destaca Elba.

Febre maculosa

A febre maculosa é uma doença infecciosa que provoca um quadro febril agudo. A doença pode se apresentar de forma assintomática até casos mais graves, com grandes chances de morte.

No Brasil, é causada por uma bactéria chamada Rickettsia rickettsii, transmitida pelo carrapato da espécie Amblyomma cajennense, popularmente conhecido como carrapato-estrela. Existem mais de 20 espécies de Rickettsia que podem causar febre maculosa em todo o mundo.

Hantaviroses

As hantaviroses são causadas por diversos vírus da família Hantaviridae, encontrados principalmente em roedores silvestres. A infecção acontece quando pessoas inalam os vírus presentes na urina e nas fezes desses animais. Trabalhadores agrícolas podem contrair a infecção em lavouras ou galpões de armazenamento de grãos, onde os roedores procuram comida.

A infecção é registrada em todas as regiões do Brasil, com notificações em 15 estados e no Distrito Federal. O desequilíbrio ambiental, que favorece o contato do homem como os roedores, contribui para a manutenção dos casos da doença.

As manifestações clínicas iniciais incluem febre, dor de cabeça, nas articulações, nas costas ou na barriga, e alterações gastrointestinais. Os pacientes podem desenvolver uma síndrome cardiopulmonar, com falta de ar, respiração e batimentos cardíacos acelerados, tosse e queda de pressão. Na ausência de medicação específica, o tratamento é feito de forma personalizada com o objetivo de aliviar os sintomas.

Arenaviroses

Os arenavírus são microrganismos encontrados em roedores que podem causar alterações neurológicas e febre hemorrágica em pessoas.

Causador da febre hemorrágica brasileira, o vírus Sabiá reemergiu em 2020 após cerca de 20 anos sem registros, causando infecção em um homem, que morreu devido à doença. O caso foi registrado em São Paulo, o mesmo estado onde o vírus foi identificado pela primeira vez, em 1994. A doença teria sido contraída durante uma viagem à cidade de Eldorado, no Sul do estado.

Além do vírus Sabiá, quatro arenavírus são conhecidos por provocar infecção humana na América do Sul. Assim como os hantavírus, os arenavírus são transmitidos através de aerossóis eliminados a partir da urina e das fezes de roedores. Por apresentar um quadro semelhante à dengue grave e à febre amarela, os pesquisadores afirmam que pode haver uma subnotificação das arenaviroses.

Febre Q

A febre Q, causada pela bactéria Coxiella burnetti, é transmitida principalmente em áreas rurais, pela inalação ou pelo contato direto com secreções de animais infectados, incluindo leite, fezes, urina, muco vaginal ou sêmen de gado, ovelhas, cabras, cães, gatos e outros mamíferos domésticos.

Na maioria das vezes, a infecção é assintomática ou tem sintomas semelhantes aos da gripe. Porém, alguns pacientes podem desenvolver quadros graves, com pneumonia ou endocardite. O tratamento da infecção deve ser feito com antibióticos.

Bartoneloses

A doença da arranhadura do gato é a forma mais conhecida de bartonelose, infecção causada por bactérias do gênero Bartonella. Os animais infectados pela bactéria Bartonella henselae podem transmiti-la através de arranhões ou mordidas. Pulgas e carrapatos presentes nesses animais também são vetores da doença.

Segundo os pesquisadores da Fiocruz, a diversidade de manifestações da doença dificulta o diagnóstico. Além de casos assintomáticos, a bartonelose pode provocar desde inflamação no local da ferida, inchaço nos gânglios e febre até quadros graves que afetam os nervos e o coração.

Este conteúdo foi originalmente publicado em Fiocruz alerta que doenças transmitidas por animais foram esquecidas na pandemia no site CNN Brasil.