Antonov-225, destruído na Ucrânia, nasceu para carregar ônibus espacial soviético


No último domingo (27), o Antonov-225, maior avião do mundo, foi destruído após um incêndio provocado por um ataque russo no aeroporto de Hostomel, cidade próxima à capital da Ucrânia, Kiev.

A informação foi dada pela Ukroboronprom, fabricante de armas estatal ucraniana (e responsável pela Antonov Company). Também foi confirmada pelo ministro das relações exterior do país, Dmytro Kuleba. A aeronave estava parada em Hostomel desde quinta-feira (24) para efetuar reparos em um dos motores.

A Ukroboronprom afirmou que serão necessários US$ 3 bilhões para reconstruir o avião, o que pode demorar até cinco anos. Em comunicado, a empresa defendeu que a Rússia é quem deve arcar com todo esse custo.

O Antonov-225 (ou An-225) era capaz de levantar 250 toneladas de carga. Tinha 84 metros de comprimento e 88,4 m de envergadura (a distância de uma ponta da asa para outra). As asas, inclusive, possuíam 950 m2 de área. De altura, media 18,2 m – o equivalente a um prédio de seis andares.

Era um gigante. Um gigante filho da Guerra Fria.

Carregador de piano

A história do An-225 começa em 1981. Em 12 de abril daquele ano, os Estados Unidos lançaram o ônibus espacial Columbia de Cabo Canaveral, na Flórida. Impulsionado por foguetes e reutilizável, o Columbia deu início a uma nova era da exploração espacial – e a União Soviética não poderia ficar para trás.

A URSS tratou de construir o seu próprio ônibus espacial. Ele foi batizado de Buran (“nevasca”, em russo) e era bem parecido com o Columbia. Já o foguete que o levaria ao espaço recebeu o nome Energia.

Mas havia um problema. O Buran foi construído em uma base nos arredores de Moscou, mas o Cosmódromo de Baikonur, a importante estação de lançamento soviética e de onde o ônibus decolaria, ficava a 2090 quilômetros dali, no Cazaquistão. Como levá-lo até lá?

A solução mais viável era pelo ar. Engenheiros soviéticos, então, contataram a Antonov Company, fundada em Kiev em 1946 por Oleg Antonov e especializada em aviões de grande porte. O objetivo era construir um cargueiro que realizasse as idas e vindas do Burian, tanto na fase de testes quanto depois que ele começasse a operar em missões.

A base do An-225 foi um modelo já em atividade, o An-124, lançado em 1982 e capaz de levar 150 toneladas de carga. Ao An-225 foram adicionados dois motores extras, totalizando seis – o único avião do mundo a ter essa quantidade. A aeronave pesava 175 toneladas e tinha 32 rodas.

O primeiro voo do An-225 aconteceu em 21 de dezembro de 1988. Durante a cerimônia de inauguração, ele entalou momentaneamente no hangar em que estava. O avião foi batizado como Mriya, que em ucraniano significa “sonho”. Foi a primeira aeronave soviética a receber um nome nesse idioma.

O Mriya realizou uma dúzia de voos teste com o Buran (havia duas pequenas “corcovas” na parte de cima do avião para segurar o ônibus espacial), e a dupla foi uma das principais atrações em 1989 durante o Show Aéreo de Paris, a maior feira de aviação do mundo. Mas o projeto não durou muito. Com o fim da União Soviética, em 1991, o programa foi cancelado.

<span class="hidden">–</span>picture alliance/Getty Images

Nos anos seguintes, diferentes propostas foram feitas para aproveitar o An-225. Uma delas transformaria o grandalhão em um hotel voador, com direito a piscinas e capacidade para 1,5 mil pessoas. Não rolou: o Mriya foi desmontado e guardado em um hangar por quase uma década.

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No início dos anos 2000, a Antonov Company percebeu que a demanda para grandes cargas crescia a ponto de o An-124 não conseguir atender a algumas delas. Foi quando eles decidiram revitalizar o An-225 e colocá-lo para jogo.

Segundo a empresa, o avião quebrou 124 recordes em seu voo de retomada, incluindo o de maior carga transportada pelo ar (250 toneladas). Coincidentemente, o voo aconteceu no dia 11 de setembro de 2001.

Manual de instruções

O An-225 transportava diversos tipos de carga: turbinas, veículos, máquinas de construção, turbinas, trens Maglev (de levitação magnética) e aeronaves de pequeno porte. A carga mais comum eram geradores elétricos.

Feito na URSS dos anos 1980, o An-225 ainda guardava muitos comandos analógicos. Pela sua idade (e tamanho), não era tarefa fácil operá-lo – só seis pilotos eram autorizados a fazer isso. Além disso, reparos precisavam ser feitos constantemente, inclusive durante as entregas. Não à toa, vários cabos e componentes internos do avião ficavam expostos para facilitar a manutenção.

A tripulação do Mriya era composta por seis pessoas: um piloto, um copiloto, dois engenheiros, um especialista em navegação e outro em comunicação. Isso sem contar dezenas de funcionários e supervisores que acompanhavam o carregamento e descarregamento de carga.

O An-225 realizava 20 voos por ano, em média. Isso porque toda viagem requeria semanas de planejamento envolvendo aeroportos, equipes de logística e a empresa responsável pela carga. Às vezes, era preciso levar, de Kiev, um caminhão reboque de quase 450 cavalos para manobrar o Antonov na pista certos aeroportos não tinham reboques potentes o suficiente.

As cargas entravam e saiam pela frente do avião. O nariz do An-225 levantava e uma enorme rampa descia, como uma língua. Era um processo lento e barulhento, acompanhado minuciosamente por trabalhadores na pista qualquer desnivelamento na rampa poderia comprometer o transporte.

O An-225 Mriya no Aeroporto de Viracopos em Campinas-SPRicardo Matsukawa/VEJA/Divulgação

O An-225 tinha capacidade para 330 toneladas de combustível, e queimava 20 toneladas por hora (e você reclamando do seu carro). Os motores demoravam até quatro minutos para ligar completamente. Ele tinha uma autonomia de 15,4 mil quilômetros e atingia 800 km/h.

Em abril de 2020, o Antonov carregou 100 toneladas de equipamentos de proteção contra a Covid-19 da China para a Polônia. Não fosse o ataque russo, ele continuaria em operação pelos próximos 25 anos.

De passagem

O An-225 esteve duas vezes no Brasil: em 2010 e 2016. Na última visita, ele passou pelos aeroportos de Viracopos, em Campinas, e o de Guarulhos, antes de seguir para o Chile.

Em Campinas, o avião recebeu um suporte de 30 toneladas para a carga que o esperava em Guarulhos: um gerador de 150 toneladas. Dezenas de pessoas acompanharam os pousos e decolagens do grandalhão.

Com a destruição do An-225, o maior avião cargueiro passa a ser o Boeing 747-8F, com capacidade de 132,6 toneladas. Ele tem 76,3 m de comprimento e 68,4 m de envergadura. Mas ele não ganha do Airbus A380, que não possui versão cargueiro e é o maior avião comercial do mundo: são 72 m de comprimento e 79 m de envergadura.

Isso até reformarem o Mriya – o que permanece incerto. Há ainda um segundo An-225, feito durante a Guerra Fria. Todas as suas peças foram construídas e guardadas, mas ele nunca foi montado.

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