Um século depois, os ideais modernos da moda continuam nos guarda-roupas


Inúmeros fatos históricos impulsionaram a força do que hoje chamamos de movimentos modernistas. Começamos com o final do século 19: a sociedade ocidental ainda se acostumava às consequências da Revolução Industrial em cidades maiores, mais movimentadas, mais poluídas. O cidadão se sentia impactado por novas tecnologias, abusivas rotinas de trabalho, estilo de vida sofrível, se comparado a um longínquo mundo rural.

O ponto mais importante foi a Inglaterra, que produziu, em seu meio cultural, movimentos de resistência às novas tecnologias e ode ao trabalho manual como o Arts & Crafts, liderado pelo pintor William Morris. E também a poesia dolorida de Charles Dickens que sonhava com uma utópica Londres intacta pela indústria em “Tempos Difíceis”.

Apesar das críticas, o capitalismo não parou. E a grande missão desse período cabia aos urbanistas, arquitetos e engenheiros que precisavam adequar as metrópoles para serem habitáveis pelo proletariado.

 

Não à toa se fez necessária a chamada “Arquitetura Racionalista” que deixava de lado adornos pouco úteis para focar em projetos realmente úteis. A alemã escola de Bauhaus consolidou os ideais de utilidade com novos valores estéticos e criou o que hoje conhecemos como design. Ainda hoje usamos a célebre frase “menos é mais”, dita por Ludwig Mies van der Rohe, último diretor da escola antes de ser fechada pelo nazismo.

Na arte, o discurso romântico e idílico deu lugar à rapidez, ao dinamismo, a uma vontade de futuro. Menos complicado, mais simples, como defendem os minimalistas. E, como não poderia ser diferente, a moda seguiu o mesmo caminho: conectada ao espírito do tempo, a cultura da vestimenta foi atravessada e virada do avesso com os ideais modernos.

Fotógrafo George Hoyningen-Huene para swimming-wear da Patou / Reprodução

Foi o fim de uma moda dos sonhos, cheia de camadas, com vestidos feitos apenas para posar. A Era Vitoriana havia chegado ao fim. A moda já existia, mas não como o sistema capitalista que conhecemos hoje. Era algo bem reservado a salões aristocráticos e disseminado através de desenhos manuais.

Com a invenção da fotografia a moda encontrou seu veículo perfeito e tornou-se avassaladora: era possível espalhar cada vez mais imagens de estilo, de personagens, de composições, silhuetas, poses, hábitos. Desejo de consumo e imitação, que fazem parte e movimentam este mercado, como bem explica o sueco Lars von Svendsen em “Moda, Uma Filosofia”.

A atriz americana Louise Brooks, em 1925 / Silver Screen/Getty Images

A fotografia de moda ainda não existia mas já em Camera Work, a primeira revista fotográfica influente, que se tem registro, fundada em Nova York no começo do século 20, a moda começa a aparecer quando fotógrafos registram gestos, personagens, modos de se vestir.

Rapidamente, com a inserção de fotografias na revista “Vogue”, as imagens modernas de moda enfim começaram a aparecer. Mulheres esportivas, com maiôs, correndo e, apesar da contradição com o esporte, fumando. Cenários clean, roupas minimalistas, sem frufrus, apenas linhas retas, geometria, o básico. Construções tão límpidas como um edifício da Bauhaus. O gosto por objetos frios, por elementos industriais, enfim conquista a então recente mídia de moda.

A busca pelo novo foi tão forte, tão marcante, que o substantivo “moderno” virou um adjetivo utilizado por marcas de moda e especialistas do setor até hoje. Quando falamos que uma roupa é moderna, estamos falando que é nova, avante, fresh.

Com o fim da Primeira Guerra e a urbanização das cidades cada vez maiores, as questões de vestimentas foram vistas com o mesmo olhar resolutivo para questões sanitárias: quem teria tempo para firulas? Quem poderia pensar em enfeites se é muito mais prático que a estrutura seja rápida, simples e em maior quantidade?

Se com Bauhaus o importante era fazer caber 200 janelas geométricas num mesmo edifício, nessa moda minimalista o importante era economizar tecido, trabalho manual, materiais vários, tempo. Quem iria então colocar uma anágua com mil lacinhos por baixo da saia ou “inúteis” babados se um corte reto de tecido já pode nos vestir? Não só pode como – aí está o ponto – se tornou muito chic. O que é considerado chic e elegante até hoje, 100 anos depois, é algo muito clean, sóbrio, vazio, reto, minimal.

Croqui de Karl Lagerfeld, que era estilista da marca/ Reprodução

E aqui chegamos em Coco Chanel. Tudo o que percebemos como chic, elegante, atemporal e minimalista veio das ideias da então jovem senhora francesa com ideias borbulhantes que quebraram todos os padrões da época. Não dá para fugir da França, especificamente Paris, que ditou o que as mulheres deveriam vestir naqueles tempos tão agitados.

Judiada pela guerra, a moda precisou se livrar dos excessos. Adeus às cinturas apertadas, a roupas em muitas camadas, a volumes que atrapalham o movimento. A silhueta – que é conhecida até hoje como a silhueta dos anos 20 – tira o foco da cintura, a costura vai mais pra baixo. O cabelo ficou mais curto e faceiro. Os vestidos se encurtaram. Os tecidos que eram para a moda masculina, como o jacquard, foram usados para jaquetas femininas.

Os conjuntinhos – saia e jaqueta – davam mobilidade para essa mulher que começava a circular mais. E… na falta de joias, que tal um básico colar de pérolas falsas? E sim, a grande invenção de Chanel: o pretinho básico. Quem não tem um desses no guarda-roupa? Preto se tornou um tom chic e democrático, muito além de representar luto. Black is the new black.

Street style nos anos 1920: mudança no estilo das mulheres/ Getty Images

Os irmãos Seeberger que fotografaram essa Paris desejosa mostram um lifestyle real, era o look do dia mesmo. Hoje fotos de streetstyle são estratégia de marketing. As fotos de Seeberger são pura documentação histórica de estilo.

Tudo o que Chanel levou para a vestimenta feminina marcou os anos 1920:

  • cabelos curtos
  • pérolas falsas
  • pretinho básico
  • vestidos soltos
  • cintura não marcada
  • tecidos masculinos pra mulheres
  • saias mídi

O sonho moderno foi algumas vezes interrompido pelas guerras. Os tecidos acabavam, as semanas de moda paravam. Já lá na frente, nos anos 1940, o que era moderno se torna mais hostil e militarizado. Christian Dior, na década de 1950, enterra por um momento a modernidade e volta com as mulheres de saias rodadas e cintura apertada, que não deveriam mais trabalhar e serem símbolos do lar.

A moda moderna, no entanto, jamais desapareceu. Suas referências aparecem em todas as décadas nesses últimos 100 anos. Nos brechós das décadas de 1960 e 70, no minimalismo dos anos 1990, nos revivals dos anos 2000 e até hoje Chanel desfila na passarela as mesmas informações de estilo que procuravam dar liberdade para aquelas todas as outras novas mulheres.

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