Uberaba, em Minas Gerais, guarda uma das maiores reservas fósseis da América Latina


Esse é o sexto texto do blog Deriva Continental, escrito por Ana Clara Oliveira Magalhães, Vivian Camargos Pinto, Tiago Amâncio Novo, Ana Maciel de Carvalho e colaboradores do Núcleo Minas Gerais da SBG

Há 250 milhões de anos, no início da Era Mesozóica, nosso planeta era bem diferente do que conhecemos hoje. Ele se recuperava do maior evento de extinção em massa desde o surgimento da vida, que dizimou cerca de 80% das espécies. Naquela época, todas as massas de terra do planeta estavam reunidas em um supercontinente denominado Pangeia. As temperaturas altas e o clima úmido levaram ao desenvolvimento de uma vegetação bastante densa, o que permitiu a diversificação de herbívoros e carnívoros. 

No contexto das mudanças climáticas do início da Era Mesozoica, os répteis (como dinossauros e pterossauros) tornaram-se os animais predominantes nos ecossistemas. Diversificando os meios de locomoção e respiração, eles se adaptaram aos mais diferentes ambientes. 

Os grandes répteis conquistaram a Terra durante os períodos Triássico, Jurássico e Cretáceo. No Triássico, Pangeia se dividiu em duas massas continentais: Laurásia, ao norte, e Gondwana, ao Sul. Os grandes répteis desapareceram por completo graças a um evento de extinção em massa que ocorreu no fim do Cretáceo, há 66 milhões de anos: um meteorito colidiu com nosso planeta, gerando uma reação em cadeia que matou 75% de todas as espécies existentes até então. 

Elas não morreram todas de uma vez. O impacto ergueu poeira suficiente para impedir que a luz solar chegasse à Terra por anos – matando, assim, a maior parte das espécies vegetais. Sem elas, os dinossauros herbívoros morreram de fome e, consequentemente, os dinossauros carnívoros morreram também. Ainda que não estejam mais entre nós, os grandes répteis deixaram seus registros pelo mundo – inclusive no Brasil.

Dinossauros mineiros

Reconstituição ambiental da região de Uberaba há 70 milhões de anosDeverson da Silva Jr./Reprodução

Não é fácil preservar restos ou vestígios de seres vivos que habitaram a Terra há mais de 11 mil anos. Para que eles sobrevivam à ação do tempo, o material deve ser soterrado logo após a morte. Por isso, os fósseis são formados unicamente em áreas sedimentares.

Em Uberaba, no estado de Minas Gerais, as condições eram perfeitas para a preservação desses registros. Lá está localizado um dos maiores depósitos fossilíferos do Brasil: o Sítio Paleontológico Peirópolis e Serra da Galga, com fósseis de idade entre 80 e 65 milhões de anos. Naquela época, Gondwana já tinha se fissurado, separando a África e a América do Sul e formando o Oceano Atlântico Sul entre os continentes.

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Localização (estrela vermelha) do sítio paleontológico Peirópolis e Serra Galga (Uberaba) no Cretáceo Superior, quando África e América do Sul se separavam.Carlos Schobbenhaus/Cassio Roberto da Silva/Divulgação

Os depósitos fossilíferos são claros registros da fauna de Gondwana. Neles foram encontrados microfósseis (tão pequenos que nem dá para enxergá-los a olho nu) e macrofósseis relevantes cientificamente, como anfíbios, crocodilomorfos e dinossauros do grupo dos titanossauros. As espécies Baurutitan britoi e Trigonosaurus pricei foram descritas em 2005 por Kellner et al. e Campos et al., respectivamente.

Outro exemplar descrito na região é o Uberabasuchus terrificus, o “terrível crocodilo de Uberaba”. O fóssil, com cerca de 70% de seu esqueleto preservado, possuía 2,5 metros de comprimento e pesava pelo menos 300 quilos. Seus dentes incisivos pontiagudos indicam que era carnívoro. Os longos membros revelam que ele era ágil e se deslocava por longas distâncias em terra firme. Essas características sugerem que o Uberabasuchus terrificus foi um dos maiores predadores do Cretáceo.

Fóssil do Uberabasuchus terrificus, “parente” distante dos crocodilos e jacarés atuaisCarlos Schobbenhaus/Cassio Roberto da Silva/Divulgação

Os primeiros fósseis da região foram descobertos por operários ao acaso em 1945, enquanto um trecho rodoviário era reformado ao norte de Uberaba, na Serra da Galga. Após o achado, o paleontólogo Llewellyn Ivor Price realizou pesquisas no local até 1974, quando todos os fósseis foram transferidos para o Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), no Rio de Janeiro. 

Foi só em 1991 que a Prefeitura de Uberaba iniciou a implementação do Centro de Pesquisas Paleontológicas Llewellyn Ivor Price, localizado onde foram encontrados os primeiros fósseis pelos operários, na antiga estação ferroviária da região. O Centro de Pesquisa inclui laboratórios, aposentos para pesquisadores, reserva técnica e o Museu dos Dinossauros, com 1500 fósseis tombados.

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O Centro de Pesquisa é referência na paleontologia brasileira. Ele possui parcerias com instituições renomadas do país e possibilitou a publicação de cerca de oitenta trabalhos científicos sobre os sítios paleontológicos de Uberaba. O Centro organiza equipes de escavações que fazem coletas anuais nos sítios paleontológicos de Uberaba, principalmente Peirópolis e Serra da Galga.

Já o Museu conta com programas educacionais como a Semana dos Dinossauros, voltada para o ensino da paleontologia para alunos do ensino fundamental e médio. O PROTEU (Programa de Treinamento de Estudantes Universitários) é um curso imersivo em paleontologia e geologia para alunos do ensino superior.

A partir do estudo dos fósseis e das rochas existentes no local, é possível compreender como eram os ecossistemas terrestres em uma determinada época da Terra. Além disso, depósitos fossilíferos são importantes para a cultura e para as atividades econômicas locais, o que torna ainda mais relevante a preservação e proteção do patrimônio paleontológico. Um Geoparque foi proposto para Uberaba, e aguarda sua aprovação pela UNESCO.

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