Texto Rafael Battaglia | Ilustração Estevan Silveira
Design Juliana Krauss | Edição Alexandre Versignassi
Tenho basicamente dois medos: de altura e de O Exorcista (1973). O clássico do diretor William Friedkin é uma obra-prima do terror – e um dos filmes mais importantes da história. Foi o primeiro longa do gênero a ser indicado ao Oscar de Melhor Filme (uma das dez categorias em que concorreu na edição de 1974; levou duas: som e roteiro adaptado).
Mas, ao que parece, ele não é mais tão assustador. Num levantamento recente, O Exorcista aparece só na 21ª posição. É o que mostra a edição deste ano da Science of Scare (“Ciência do Susto”, em inglês).
Não se trata de um levantamento realmente científico. Quem promove a coisa é uma empresa britânica, a Broadband Choices. O trabalho dela é comparar planos de TV por assinatura, internet e telefonia do Reino Unido. Ou seja: nada a ver com rankings cinematográficos.
O tal ranking é uma ferramenta de marketing da empresa. Mas a maneira como ele foi feito é criativa – e emula, de certa forma, os métodos das pesquisas acadêmicas de fato (por isso estamos dando aqui na Super).
Eles convidaram 250 voluntários para assistir a 40 filmes de terror. Essa pré-seleção foi feita com base em recomendações do Reddit, um fórum, e de sites especializados em crítica de cinema.
O trabalho dos voluntários não era opinar sobre os filmes, mas terem seu batimento cardíaco monitorado enquanto assistiam – um processo que durou algumas semanas, e que foi feito sob supervisão médica.
E o campeão foi… Host (“Anfitrião”, em inglês; no Brasil, ficou como Cuidado Com Quem Chama, mas todo mundo chama de Host mesmo). É um filme de 57 minutos gravado durante a pandemia, em 2020. Toda a história acontece numa tela de Zoom, e as imagens foram captadas pelas câmeras dos computadores e pelos celulares dos atores.
Na trama, seis amigos se reúnem em uma videoconferência para matar as saudades em meio ao isolamento. Eis que uma das garotas, Haley, sugere convidar outra amiga, que é médium, para que todos experimentem participar de uma sessão. Aí você já sabe: um espírito começa a invadir suas casas e eles precisarão lutar para sobreviver.
A ideia nasceu de uma pegadinha do cineasta britânico Rob Savage. Em abril de 2020, quando o Reino Unido estava sob lockdown, Savage conversava com amigos pelo computador quando disse estar ouvindo passos no sotão de sua casa. Ele pegou uma faca e subiu, com a câmera ainda ligada. De repente, uma criatura sai das sombras e grita. Rob cai da escada, fica imóvel e aterroriza quem estava na call – menos um, que diz, ao final do vídeo: “Que incrível! Como você fez isso?”
I’ve been hearing strange noises from my attic, so I called a few friends and went to investigate… pic.twitter.com/CxmJAf44ob
— Rob Savage (@DirRobSavage) April 21, 2020
Ele fez com pequenos truques de câmera – e com a inserção de uma cena de [Rec] (2007), um terror espanhol. Rob só precisou recortar um trecho do filme e integrá-lo ao vídeo, para dar a impressão de que era tudo ao vivo. A pegadinha viralizou e inspirou o cineasta a produzir seu longa. Ele passou os três meses seguintes filmando Host, que saiu pela Shudder, um streaming americano focado em terror (por aqui, ele está na Netflix).
Host, claro, não reinventa a roda. Produções baratas que simulam um documentário amador deixado por vítimas de eventos sobrenaturais explodiram após A Bruxa de Blair (1999). Essa categoria de filme, chamada de found footage, é um baita negócio: gasta-se pouco e ganha-se muito, sem perder a qualidade dos sustos. Atividade Paranormal (2007), um dos maiores expoentes do subgênero, custou US$ 215 mil e faturou US$ 193 milhões.
O segredo de Host é o timing. Ele estreou no final de julho de 2020, quando as vacinas ainda eram um sonho distante e todo mundo experimentava o isolamento, em menor ou maior grau. Impossível não sentir na pele.
No estudo, o longa obteve a maior média de batimentos cardíacos por minuto (bpm): 88 (veja na tabela abaixo). Isso representa 37,5% a mais que a média do ser humano em descanso (64 bpm). Com o sucesso, Savage assinou um contrato para dirigir três filmes pela produtora Blumhouse, de terrores como Atividade Paranormal, Sobrenatural (2010) e Uma Noite de Crime (2013).
Apesar de toda a metodologia, não dá para negar que o recorte da Science of Scare (40 filmes) é pequeno. No top 30 final, só duas produções ([Rec] e Aterrorizados) são de língua não inglesa – e a ausência de produções coreanas é inexplicável. Ainda assim, dá para tirar algumas coisas interessantes da pesquisa.
Por exemplo: 50% dos filmes da lista foram lançados na última década. Dos 30, 20 abordam “espíritos” – ou alguma entidade sobrenatural equivalente. Só quatro falam sobre serial killers; três sobre alienígenas e dois sobre zumbis, o que indica uma certa decadência desses gêneros, tão em voga nas últimas décadas. Outra exceção é O Homem Invisível (2020), que gira em torno de um superpoder: um cientista que, bem, fica invisível.
A lista também conta com produções inovadoras. O Babadook (2014) e Hereditário (2018) foram elogiados pela crítica por focarem no terror psicológico, que vai cozinhando o cérebro em fogo lento, em vez da aposta clássica em jump scares – aqueles sustos repentinos que te fazem pular da cadeira.
Outro exemplo de originalidade é Um Lugar Silencioso (2018). O mundo está tomado por aliens assassinos. Eles são cegos. Então só há um jeito de sobreviver: nunca, jamais, emitir qualquer ruído. Nisso, toda a tensão ali se constrói a partir do som – e da ausência dele.
O lado bom do horror
O medo começa em uma região do cérebro chamada amígdala, um conjunto de núcleos responsável pela manifestação das nossas emoções. Em situações de perigo, nosso corpo se prepara para duas ações: lutar ou fugir. É uma herança evolutiva – somos uma máquina de reconhecer padrões, e se algo desconhecido escapa disso, o cérebro interpreta como uma possível ameaça à nossa sobrevivência.
A partir daí, o organismo injeta doses cavalares dos hormônios adrenalina e cortisol na corrente sanguínea. A pressão e a frequência cardíaca aumentam, as pupilas dilatam, os músculos recebem mais sangue (e glicose) e algumas partes do corpo, como o sistema gastrointestinal, reduzem a atividade para economizar energia (daí o “frio na barriga”).
Outras áreas do cérebro que trabalham ativamente nessa hora são o córtex pré-frontal (responsável pelo raciocínio, atenção e lógica) e o hipocampo, ligado à memória. Eles ajudam a interpretar e a memorizar uma possível ameaça.
Ora, se sentir medo é uma experiência tão intensa, por que tanta gente ama um filminho de terror? Existem algumas explicações. A primeira é o conceito da “busca pela sensação” – a predisposição que algumas pessoas têm em vivenciar constantemente coisas novas e intensas. Nesse caso, o sarrafo de excitação costuma ser alto; para atingi-lo, você precisa de alguma experiência mais extrema. Pode ser um salto de bungee jump. Pode ser um filme de terror bem feito.
Outro motivo tem a ver com o pós-susto. Ele gera a chamada “transferência de excitação”, um termo cunhado pelo psicólogo Dolf Zillmann, em 1971. A teoria diz que respostas emocionais podem ser intensificadas pela excitação de outros estímulos prévios – que não necessariamente precisam estar relacionados.
Traduzindo: se você assistir a um filme de terror com os seus amigos, a sensação agradável do rolê pós-sessão pode ser impulsionada pela excitação residual do seu corpo depois de levar alguns sustos.
Os efeitos psicológicos dos filmes de terror podem ir além. Diversos pesquisadores defendem que eles têm potencial para ajudar a curar traumas e fobias, via terapia de exposição. Seria uma maneira controlada de se colocar cara a cara com um medo, com o objetivo de superá-lo.
De fato: num estudo com mais de 300 pessoas, feito nos EUA e na Dinamarca, os fãs de terror apresentaram mais resiliência psicológica ao lidar com a Covid-19 do que os avessos ao gênero.
Em suma: da próxima vez que considerar ver um filme de terror, dê uma chance a ele. Uns sustinhos de vez em quando fazem bem.