Opinião: a eficiência irritante de Tite


Sessenta e cinco jogos, 45 vitórias, 12 empates e apenas cinco derrotas, 134 gols marcados, 23 sofridos e 80% de aproveitamento. Líder invicto das Eliminatórias Sul-Americanas, com nove vitórias e um empate. Seria uma insanidade tratar como ruim o trabalho do técnico Tite em cinco anos de seleção brasileira ou cogitar sua demissão diante de tamanha eficiência. É, sem dúvidas, um rendimento muito acima da média de seus antecessores e em circunstâncias semelhantes (o time tem apenas um craque, Neymar, e em baixa). Há, no entanto, um grave problema: a um ano da Copa no Catar, além de o time definitivamente não encantar, o trabalho parece regredir.

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Os melhores jogos da gestão de Tite foram os da campanha prévia ao Mundial da Rússia em 2018, em que o Brasil chegou como favorito e elogiado por seu jogo vistoso e envolvente nas Eliminatórias, mas acabou eliminado pela Bélgica nas quartas de final. O técnico, aliás, ganhou um raríssimo reconhecimento: foi o primeiro a seguir no cargo mesmo após uma eliminação em Copas desde Claudio Coutinho em 1978 que acabaria substituído por Telê Santana pouco depois. Desde então, os números seguem impressionantes, mas o futebol deixa cada vez mais a desejar.

Como fez durante quase toda a sua carreira por clubes, Tite montou uma defesa sólida, quase intransponível (já soma 44 jogos sem sofrer gols), mas os problemas na criação são evidentes. Sem Philippe Coutinho, seu armador favorito, mas que convive com lesões e má fase há um bom tempo, o técnico tem sofrido para montar o meio-campo. O parceiro de Casemiro segue indefinido (Fred, Gerson, Bruno Guimarães, Douglas Luiz… há várias opções, mas nenhuma se firma); no posto de articulador (ou “ritmista, como costuma dizer Tite), Lucas Paquetá e Everton Ribeiro tiveram bons momentos, mas estão longe de ser unanimidades.

O ataque é o maior dos pesadelos: Gabriel Jesus, Gabigol, Richarlison e Roberto Firmino não encaixam boa sequência e nem sequer têm um posicionamento definido, mas parecem ter cadeira cativa no grupo. Comparando com as principais seleções do mundo, o Brasil é quem tem a artilharia menos badalada e eficiente. O treinador tampouco tem conseguido extrair o melhor de jovens promissores como Vinicius Junior, e ao longo do ciclo insistiu em nomes de pouco brilho como Everton Cebolinha. Menos mal que, com as lesões de Richarlison e Firmino, o técnico teve de realizar testes que, estes sim, deram alguma esperança: Antony, do Ajax, e Raphinha, do Leeds United. Ambos pedem passagem no time titular; mas será que Tite terá a ousadia necessário para sacar seus “homens de confiança”? “Estamos em fase de construção da equipe, de dar oportunidades”, disse, depois do empate em Barranquilla. 

E o que falar de Neymar? Único extraclasse da equipe há pelo menos uma década, o jogador de 29 anos vem aparentando declínio físico e técnico extremamente preocupantes. Na segunda etapa diante da Colômbia, o camisa 10 teve atuação constrangedora, mas foi defendido por Tite. “Neymar foi bem assim como o nível da equipe. Talvez as expectativas em cima dele são que ele faça a diferença sempre”, tergiversou. Novamente fiel a seu estilo, o comandante faz de tudo para blindar seu craque, mas jamais conseguiu levá-lo à tão esperada maturidade e a dupla pode acabar morrendo abraçada.

Soma-se ao mau humor geral da torcida fatores como o insano calendário de seleções que desfalca os clubes em retas decisivas, o longo jejum de títulos mundiais (o penta completará 20 anos ano que vem), as enfadonhas entrevistas em puro “Titês” e até mesmo um contexto político que praticamente impõe ao brasileiro um estado permanente de descontentamento. Enquanto o Brasil parece regredir, concorrentes como França, Itália e a até mesmo a Argentina vão ganhando corpo. A história mostra que chegar à Copa desacreditado pode até ser positivo para o Brasil, mas Tite precisa urgentemente mexer no time e encontrar soluções, ainda que isto custe alguns pontos inúteis nas Eliminatórias; ter um time sólido e eficiente não será o bastante.

 

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